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quarta-feira, 9 de maio de 2012

Mãe sofre



─ Ei, peraí, onde você vai com esse trombolho?!
─ Eu vendi por mil reais.
─ Nossa! Quem é o doido que pagou essa fortuna por esse cacareco?!
─ Minha mãe. E pagou adiantado.
─ Bem... Desculpa aí, mas nesse ferro velho eu pagava no máximo duzentos...
─ Tudo bem, pode levar.
─ Mas você não disse que vendeu pra sua mãe?!
─ Falei que vendi, mas não falei que ia entregar. Mãe entende...

o-o-o-o

─ Você pinta minha unha?
─ Agora não posso...
─ E o meu cabelo, você arruma?
─ Tô trabalhando...
─ Eu tô com fome.
─ Tem bolacha no armário. Molha no café com leite...
─ Mas...
─ Mãe, você está me atrapalhando. Vai lá pra sala ver televisão e não me amola.
Ela sai cabisbaixa. No corredor, quase é derrubada pelo neto em disparada.
─ Sai da frente, vó...
O genro vê futebol na sala. Pensa em falar com ele, mas pisa no rabo do gato que sai em disparada. Assustada com o grito do bichano, resolve ir para o seu canto. Ali ela se sente em casa. Tem seus trapos, suas coisas velhas, sua história.
Depois de um bom tempo, a filha abre a porta do quarto.
─ Mãe, você está de novo no quarto?

o-o-o-o

─ Seu filhinho acabou de fazer arte...
─ O quê?
─ É, seu guti guti aprontou lá na sala. Dá uma olhadinha que eu tô saindo e já volto.
E ele foi. A mulher descansou o tanque, apagou a panela, deu um tempo no avental, pendurou o pano de prato e foi esfregar o rebento.
Gritou, berrou, se descabelou, mas quando o pimpolho chorou, derreteu-se toda nos paparicos. Pegou o anjinho no colo, levou para o banho, deu de mamar, colocou pra dormir. Ufa! Tinha de tomar um banho, mas o tanque, a panela, as louças gritavam por seus carinhos. Saiu correndo, passou pela sala e notou que não tinha tirado o pó da mobília. Parou, sentou-se um pouco na frente da TV, suspirou...
O marido entrou pela porta da sala.
─ Isso é que é vida, hein! Só na frente da TV assistindo à novelinha...