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sábado, 28 de janeiro de 2012

Nona


A cozinha, o banheiro, o asseio; a roupa, a maquiagem, a vaidade; a sombrinha, a rua, o passeio.
Como sempre, a barbearia estava cheia depois do almoço. Diziam que seu marido era o melhor barbeiro daquela cidadezinha. Aliás, o único. Da entrada, acenou para seu companheiro de longos anos. Ele era tímido. Apenas balançava a cabeça quando a mulher aparecia toda arrumada. Sabia que ela se encontraria com a amiga de anos para aquela partidinha de biriba.
─ Companheira de ouro, hein seu Cornélio!?
─ Companheirona, amigo. Vão pra mais de trinta anos me aguentando.
Ela saía em direção ao ponto do ônibus, ele ficava ali no fio da navalha, garantindo o sustento da família. Filhos criados, netos em dobro. Ajuda para um, presentinho para outro. Não podia se dar ao luxo de viver com uma merreca de aposentadoria.
Pelo caminho, ela cumprimentava a todos por que passava sendo reverenciada com respeito. Acena daqui, aconselha dali, promessas de quermesses e, nossa... Apertava o passo, pois se perdesse aquele circular, só depois de duas horas para pegar outro.
A amiga morava numa cidade grande, a cem quilômetros dali. Cultivava esse hábito semanal há muitos anos. No começo, o marido até tentara dissuadi-la ensaiando um ciumezinho, mas logo cedeu aos caprichos de sua Nona. Ela o convencera dizendo que arejava a mente, espairecia um pouco para aguentar a lida do dia a dia. E de mais a mais, que mal havia num joguinho?
─ Você não vê que volto outra, amor?
Quando ela falava assim com ele, fazendo charme e cheia de dengo, ele se derretia. E, realmente, voltava outra. Sorriso no rosto, cútis maravilhosa, olhos faiscantes... É, as partidinhas de biriba faziam mesmo bem a sua mulher. Com o tempo, passou até a lembrá-la quando parecia que ela esquecia. Temia pelo mau humor no fim de semana se o joguinho falhasse por qualquer motivo.
Depois de uma hora e meia, ela desceu do ônibus com os olhos pescadores. Olhava atentamente à frente para encontrar aquela pessoa querida. O combinado era, dali mesmo da área de desembarque, saírem para o encontro costumeiro. Não queriam desperdiçar nenhum momento. Assim procediam há anos. Sentiu as mãos familiares taparem seus olhos. O perfume era inconfundível. Ela mesma escolhera de presente de aniversário. Arrepiou-se toda.
─ Escobar!
Ele a virou, sorrindo.
─ Você sempre acerta, meu amor...
─ Bobinho, quem mais haveria de ser?!
Eles se beijaram como dois adolescentes enamorados. O terminal rodoviário lotado nem reparou. Eram apenas dois apaixonados no encontro da semana.


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