O doce de coco azedou, o vinho se tornou vinagre e a água da chuva regou o limo na calçada. Macetava cada peça de roupa contra a tábua como se fincasse um prego na madeira. E aquela coisa mal parava em pé. Tinha de fazer malabarismos com os calços que colocara e com o fio que se enrolava no balanço dos braços. Calça jeans, tome. Camisa listrada, pronto. Bermuda branca, vinco. Vinco?! Vinco o escambau!!!
─ Mãe, mãe, tô com fome.
Olhou para o garoto e imaginou-se dando um bico no filho. Ele voou como uma bola e foi parar dentro da televisão. Teve a impressão de que nada lhe acontecera, pois ele caíra na grama, espanara a poeira e já corria para bater a falta. “Gooooooooooool”, gritou sem querer. O marido virou-se e disse que tinha sido para fora. Ela balançou a cabeça como se quisesse espantar os maus pensamentos.
─ Calma, meu amor, estou terminando. Brinca mais um pouquinho, que já vou.
Olhou para o sofá... Ele estava lá, senhor de si e do controle remoto. Fechou os olhos e se lembrou do primeiro encontro, do primeiro olhar, do primeiro beijo. Não via mais o príncipe que tanto a encantara. No calor frio daquelas roupas esturricadas, passava a limpo sua própria vida. Talvez o ferro tivesse outra serventia... “Casamento... Coisa besta, seu!”
─ Que foi que você resmungou, mulher?
─ Nada, não, meu amoooor.
O filho saíra à feição do marido. Era tudo na mão. Eles só se divertiam, e ela só se consumia nos afazeres domésticos. Pequenos e grandes tiranos. Pálida luz de uma semente que, antes de germinar, morrera.
─ Mãe, tô com dor de barriga.
Parou com a roupa e foi cuidar do filho: banho, troca de roupa, lanche, quarto de dormir. E a noite prometia engolir mais uma vez seus sonhos.
─ Precisamos conversar. Isso não tá certo, não. Você passa o dia todo na frente da televisão, enquanto eu, em pleno sábado, fico com todo o trabalho da casa.
─ Mas você quer o quê? Você não é mulher? Eu trabalhei a semana inteira...
─ E eu não fiz nada? É isso que você acha? Eu não faço nada?
─ Não foi isso que eu disse, não. Só acho que homem é homem e mulher é mulher. Cada qual nasceu para uma coisa.
Antes que pudesse responder, ouviu a vinheta de chamada de sua novela preferida. Olhou para a tela e se esqueceu de tudo. Foi se sentando e se acomodando. Nada mais importava. Estava hipnotizada pelos galãs, pelas casas esplendorosas, pelas vidas ideais. Quanta fartura, meu Deus!
O marido percebeu a deixa, depositou o controle remoto no sofá, levantou-se, desligou o ferro e, como se estivesse invisível, saiu pela porta da rua. Foi para o bar beber com os amigos, afinal homem é homem, não é?
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