─ Volta correndo pra casa, que o vizinho tá querendo bater no seu filho.
─ Que é que é?!
─ É isso mesmo, Juvenal, o vizinho está querendo bater no Júnior. Ele tá aqui na porta de casa, e o menino tá encarando. Vem voando.
─ Tá bom, mulher, já tou indo.
Ainda não acreditava no que ouvira no celular. Tinha acabado de sair de casa e deixara tudo tranquilo. O que será que o pestinha aprontara dessa vez? E que vizinho seria aquele que queria espancar seu anjinho? Conhecia todo mundo e nunca tivera nenhum problema, mas a rua tinha um morador novo. Começou a visualizar seu filho todo ensanguentado e voou baixo com seu possante. A cada esquina vencida, uma imagem tomava de assalto sua mente. Seu coração parecia querer fugir e chegar antes do restante do corpo. Mal parou o carro e encontrou o filho entre as barras da saia da mãe.
─ O que aconteceu?
─ O pai do Zezinho falou que eu tenho que dar uma bola nova pra ele, pai.
─ Mas, por quê?
─ É que eu, sem querer, chutei a bola dele no muro que tinha caco de vidro, e ela furou...
─ Tá, mas, se foi sem querer, qual é o problema?
─ É que o menino — interveio a mãe — foi chorando para casa, e a mãe dele veio tirar satisfação com a gente.
─ Mas você não disse que foi o pai do menino que quis bater no nosso pimpolho?
─ Acontece que o seu queridinho Júnior disse que não discutia com mulher. Aí, bem, o homem veio tirar satisfação com ele...
─ Mas ele não tinha esse direito. É uma criança...
─ Só que ele quer outra bola e mandou você ir discutir o assunto lá na casa dele.
Bateu no portão, a mulher saiu. Mirradinha ela, uma branca azeda oxigenada. Mandou logo que chamasse seu marido. O menino fez menção de ir ao seu encontro, mas ele ordenou que ficasse onde estava. Era assunto de homens.
─ O senhor quer falar comigo?
Mal pôde esconder o espanto quando deu de cara com aquele homenzarrão. O sujeito parecia ter três metros de altura por dois de largura. Era um verdadeiro armário. Chegou a pensar que estivesse em casa errada ou que a bola nova não seria tão cara assim. Gaguejou, mas por fim respondeu a pergunta.
─ É que seu filho... o meu filho... bem, é sobre as crianças.
O gigante levantou sua mão direita, e Juvenal preparou-se para o pior. Chegou mesmo a triscar os olhos à espera do golpe que não veio. O vizinho pousou a mão pesada sobre o seu ombro, abaixou a cabeça e falou bem próximo de sua cara.
─ Escuta aqui, amigão, bola furada, bola nova. Simples.
Sentiu o bafo forte de cerveja e percebeu que o grandão não estava para brincadeira. Suas pernas pareciam não suportar mais aquele peso adicional e ameaçavam vergar. O coração corria em disparada e batia que nem um tambor. Entretanto, teria que garantir a honra da família, ainda que tivesse que sacrificar a própria vida.
─ Olha aqui, meu chapa, você é grande, mas não é dois.
Desvencilhou-se da mão num gesto com o braço. Tinha dado um passo atrás para se preparar para correr quando viu os dois meninos brincando com bolinhas de gude. Nessa indecisão, o brutamonte pegou-o pelo colarinho e o levantou no ar, encostando as ventas em sua cara. Juvenal já não tinha um oponente homem, mas um touro como adversário. Estava em franca desvantagem e se preparava para cair daquela montaria. Nisso o troglodita percebeu a alegria das crianças, e seu semblante se transformou. Baixou Juvenal, que já estava roxo, lentamente até que tocasse o chão com os pés. Ajeitou o colarinho de Juvenal, espanou a poeira da própria blusa e o convidou para tomar uma cerveja.
─ Só se for Brahma...
─ Eu só tomo Antarctica! ─ retrucou o grandão.
─ Tudo bem, mas eu pago.
─ De jeito nenhum! Eu é que pago e tá acabado.
Como o vizinho tinha argumentos inquestionáveis, Juvenal resolveu aceitar e, a caminho do boteco, falou-lhe da satisfação de tê-lo ali na rua, como seu novo vizinho. Ah! As crianças apareceram no bar para tomar um guaraná e comer uns biscoitinhos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário