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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O hipnotizador de cães




Tinha assistido ao filme O amor é cego e se impressionou com o tema. Como alguém, com o poder do olhar, consegue fazer o que quer com outra pessoa? Tudo bem. Entendera a questão do transe, mas não conseguia mensurar a capacidade da mente humana. Mas, se fosse verdade, via a oportunidade de seus sonhos.
Desempregado, quase morrendo de fome, poderia usar a hipnose para conseguir recursos que viabilizassem sua existência. Entretanto, só de pensar em trabalho, ficou cansado.
Teve, então, a ideia que seria o pulo do gato de sua vida. E se hipnotizasse pessoas para que elas, espontaneamente, lhe dessem seus pertencentes ou determinadas quantias?
─ Minerva... Minerva! Minervaaaaaa!!! ─ gritou para a irmã que chegou acompanhada de seu cão de guarda.
Ela sabia que, com aquele folgado, não podia facilitar. Rex fora a solução encontrada para situações, digamos, fraterno-embaraçosas.
─ Pronto! Fala logo que tenho mais o que fazer.
Ele chegou mais perto, e Rex rosnou. Ele parou imediatamente, e Minerva afagou a cabeça do cachorro. Rex tinha o olhar fixo no meliante.
Vadiovino tirou um objeto do bolso e começou a balançá-lo, fazendo o vaivém de um pêndulo.
─ Olhe para esta corrente. Ela vai e vem. Você está ficando cansada. Quando eu contar até três...
─ Ah, Vadiovino, outras das suas bizarrices?! Vai arrumar um trabalho, homem-de-deus. Já disse que tenho mais o que fazer... ─ e saiu resmungando, sem perceber que Rex ficara estático em sua posição de ataque.
Vadiovino deu de ombros e já se preparava para maquinar outro plano infalível quando percebeu o estado catatônico do cão. Olhou atentamente, fez sinal para o cachorro e nada dele se mover. Ousado, resolveu passar a mão na cabeça daquela estátua. Ficou impressionado por ter conseguido fazer afagos naquele brutamonte. Mandou-o deitar, ele deitou. Mandou-o rolar, ele rolou. Pronto, heureca! Teve a certeza de que conseguira e de que poderia auferir grandes lucros com sua ideia.
─ Quando eu contar até três, você voltará do transe e sairá da sala como se nada tivesse acontecido. Um, dois, três... Ele estalou os dedos, e o cachorro saiu em direção a sua dona.
Esperou a noite chegar e foi para seu novo “trabalho”. Subiu no muro de uma mansão que parecia vazia. O cachorrão estava lá, olhando para Vadiovino. Parecia pedir-lhe que pulasse para poder fazer a festa. Vadiovino tirou o pêndulo do bolso e começou a sessão. Em poucos segundos, aquele cão estava no papo, e, ladinamente, Vadiovino rapinou o que pôde daquela casa, de outra, mais outra e tantas outras que encontrou. Assim procedeu por todas as noites dos dias que se sucederam. Era como tirar doce de bebê. Seus feitos começavam até a ser destaque nos plantões policiais. O anonimato não era empecilho para seu sucesso. Sua irmã estranhava a benevolência recente do irmão que passara até a contribuir nas despesas de casa. Como Vadiovino tinha receptador certo, aparecia somente com o dinheiro no bolso, dava uma desculpa qualquer de biscates e resolvia a questão.
Acontece que, numa bela noite de lua cheia, o imponderável aconteceu. Vadiovino fizera tudo como das outras noites e, quando achou que estava seguro, pulou no quintal por onde entraria no imóvel. Para sua surpresa, assim que se estatelou no chão do quintal, aprumou o corpo e deu o primeiro passo, o cachorrão saiu da posição de estátua e foi em sua direção com a sanha de um diabo. Vadiovino foi perseguido pela fera. Ele correu, procurou um lugar para se proteger e acabou acuado na lavanderia da mansão. O cão ficou prostrado na frente da única saída, ameaçando-o com sua bocarra. Olhou para trás e só viu uma janela basculante. Nem que virasse um pastel, passaria por aquele fiapo de espaço. Vadiovino se desesperou e começou a gritar como um louco. O cachorro não se abalava, apenas rosnava à espera da corrida do invasor para o bote final. Eis que, para alívio de Vadiovino, chegou a polícia para resgatá-lo. Cão imobilizado, bandido algemado e confissão de todos os outros crimes. Ainda gritava por respeito enquanto entrava na viatura.
 ─ Sou hipnotizador de cães! Sou o hipnotizador de cães, seu guarda.
É, Vadiovino, o hipnotizador de cães, fora pego por um cão de guarda velho e quase cego, mas com um faro ainda apurado.


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