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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Flordelina no Carnaval


Tinha se prometido: este seria o último ano que desfilaria no carnaval. Não que já tivesse velha e não desse mais para a coisa. Tinha muita lenha pra queimar. Muito caldo pra ferver. Ziriguidum no rebolado. E o corpo, ah! mãe natureza, era naturalmente privilegiado. Ensaiou o ano inteiro, comprou penas, lantejoulas e paetês. Confeccionou, bordou e pintou pra ver brilhar sua escola de coração. Tudo voluntariamente, sem nenhum vencimento, apenas sangue, suor e talento. Ouviu apenas uma promessa: destaque na maior alegoria, devaneios de carnavalesco.
─ Você vai ficar a vinte metros, meu amoooor! Vai olhar seus súditos lá do altoooo! Uma rainhaaaa...
Quanta enrolação... Quanta rasteira! Bastou uma estrela acenar e pronto:
─ Você entende, né guerreira? Ela é a diva da mídia, uma estrela. De mais a mais, o empresário pagou uma fortuna...
É, de rainha a guerreira, como em todos os anos. Assim ninguém aguenta! Limpou a choradeira. Água só de São Pedro, pra limpar essa sujeira.
─ Eu te digo, Jurandir, só não largo isso aqui, agora, porque eu ralei e mereço entrar na passarela em respeito ao meu povo. Mas no ano que vem...
─ Vai, minha deusa, rebola no meu pandeiro. Mostra pro mundo a mulata brasileira. Eta faceira!
E ela foi, Flordelina da Vila, do Morro, da Baixada, da Comunidade brasileira, do namorado Jurandir. Sambou, se esfalfou, pulou e rebolou no pandeiro do Jura. Não viu os flashes, não viu as câmeras, não viu estrelas. Sorria para o povo que estava bem pertinho dos seus pés, das suas ancas, dos seus braços, dos seus peitos.
Na apoteose esperavam-na os curiosos, paparazzi, repórteres do mundo inteiro. Quem é ela? Uma deusa, rainha, ou feiticeira?! Musa, passista ou guerreira?!
─ Flordelina, mas pode me chamar de Flô.
─ Flordelina da Vila, pois não?
Ela pensou e olhou para trás. O carro alegórico gigantesco estacionara. Lá de cima a “estrela” berrava por salvamento. “Aguenta aí que o elevador quebrou. Já tem outro vindo do barracão”, ecoou do diretor.
Ela se virou, sorriu para o repórter que lhe repetira a pergunta e sentenciou:
─ Flordelina Faxineira! É, a partir de amanhã, quem precisar é só me chamar:92279-7976.


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