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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Paternidade


Tinha de parar de lamber a cria e seguir seu caminho. Havia uma semana que não fazia outra coisa. Dormia mal, comia mal e não cuidava da lida. Ainda não tinha a dimensão total da paternidade, mas já se assustava com as responsabilidades básicas para a sobrevivência daquele pequeno ser.
Pensamentos contritos, cabeça baixa, mãos que apoiam, mãos que afagam.
― Não precisa se preocupar. Ela tem tudo o que precisa para se desenvolver...
― E depois?
― Depois a gente vê. Olha bem para ela. Não vês que é perfeita? Respira com tranquilidade...  ― colocando as mãos nos seios ― Aqui está o seu alimento. E minha família toda está a me apoiar.
Ele se levantou, foi até a cesta de palha e ajeitou o cobertor.
― Sabe, há momentos que parece que ela não está respirando...
― Mas ela está. Ainda não se coordena bem, mas está. Às vezes as árvores balançam mais ou menos, mas captam o ar necessário para a sua existência. E o que é incrível, ainda o processam para a purificação do meio ambiente.
Gafanhoto volta-se para a filha e a observa com atenção. Seu semblante está sereno.
― Parece tão frágil...
― Mas nos uniu para sempre, meu amor. Presta bem atenção! O ar que sai do pulmão não é o mesmo que entra. Ela também já interage com o ambiente, interfere em nossas vidas e constrói com a nossa ajuda sua própria história.
É, lembrou-se de como a concebera no rio e de como a encontrara naquela choupana. Quantos mistérios há na vida. Sorriu para a mulher, que correspondeu ao sorriso dele. Ela ficou sem graça e fingiu ajeitar algumas roupinhas, coisinhas pequeninas. Ele se virou, olhou pela janela novamente e suspirou. O tempo estava bem limpo. Não havia nuvens no céu. Catarina chegou bem perto e o abraçou. Era a primeira vez que se tocavam desde o primeiro encontro. Estranho sentimento o envolvia. Não sabia definir. A boca secou e a garganta pareceu-lhe fechar-se em um nó. Desvencilhou-se dos braços dela e sentou-se na cadeira. Catarina não melindrou. Apenas virou-se para ele e sorriu.
─ Olha, Gafanhoto, não te cobro nada. Não quero nada que tu não queiras. Se quiseres, vá sem nenhum remorso, sem nenhuma preocupação.
Gafanhoto passou as mãos no rosto. Sentia-se frágil naquele momento. Como ficaria sua vida? Como proveria quem precisava de sustento se não fazia nem para si, vivia de donativos da bondade de famigerados?
─ Preciso ter com Mestre Zen.
Catarina baixou a cabeça. Seus olhos marejaram. Engoliu em seco. Aprumou-se.
─ Pois então vá, Gafanhoto. Vá ter com Mestre Zen. E se quiser voltar...
Gafanhoto aproximou-se de Catarina e deu-lhe um abraço. Suas pernas tremiam, sua voz não vencia a garganta em nó que lhe queimava até a alma. Separou-se de Catarina, olhou-a ainda mais uma vez. Virou-se e saiu. Catarina ficou olhando para a luz que entrava pela porta. Sorriu e foi embalar Adisa, que resmungava na cesta.

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