Quem já passou por aqui

domingo, 18 de março de 2012

Caminhada


─ Olha, vô, com apenas um toque eu envio uma mensagem.
─ Assim, rápido, sem nenhum selo?
─ Computador, vô, internet... Tecnologia, globalização...
─ Mas como eu sei se a pessoa recebe mesmo a carta? Não tem nenhum aviso de recebimento?!
─ Carta não, vô, e-mail...
─ Tá bom, tá bom, mas como eu sei que ela vai ler esse troço aí?
─ Nós podemos colocar uma notificação. Quando ela teclar, o sistema avisa automaticamente.
─ Aí é só esperar a resposta, não é?
─ Não, vô, normalmente a gente não responde os e-mails. Só vemos e repassamos.
─ Ué! E como a gente conversa, então?! Como é que se mata a saudade de alguém distante?!
─ Salas de bate-papo, msn, webcam... Olha só, a tela está piscando. Tem alguém querendo falar comigo ― conferiu o nickname. O senhor me dá licença?
─ Ah! Claro. Vou ver umas coisinhas no quintal.
Levantou-se devagar, pois as juntas doíam-lhe todo o corpo. Essa tecnologia era impressionante mesmo. Economizava-lhe um tempão. Podia ir ao banco, fazer compras no supermercado, jogar baralho, dama, dominó, tudo sem sair de casa. É... Só andava de pijama. Não via outras pessoas a não ser a própria família, aliás, o neto. Os outros, bem, ou saíam antes dele acordar ou chegavam depois que ele dormia. Tinha o tempo do mundo, mas não tinha o mundo do seu tempo. Via a vida apenas pelas telas do computador, do televisor, do visor do porteiro eletrônico. Com um toque apenas, tinha tudo delivery à sua disposição.
Sentou-se na sacada. A vista era maravilhosa. Trigésimo andar de um edifício que parecia não ter fim. Olhou para baixo e viu algumas nuvens. Onde será que fica o Olimpo?! Abriu a carteira, tirou a foto esmaecida e não se reconheceu ao lado da amada. Suspirou a eternidade dos seus oitenta e tantos anos. Ela parecia a mesma. Trazia ainda o frescor de quando se conheceram. Fechou os olhos e pôde sentir o perfume do seu corpo. Poucas fragrâncias, muitas essências. Odores de cumplicidade. Ela apareceu a sua frente, sorriu, abriu-lhe os braços. Ele se levantou, caminhou com passadas firmes e abraçou-a como há muito não fazia. Os dois, então, ficaram lado a lado, de mãos dadas e saíram para uma última caminhada. Nem olharam para trás.


Nenhum comentário:

Postar um comentário