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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Como chegar ao clímax

Dias desses um aluno me perguntou como se chegava ao clímax. Como diriam os bons escritores, assim, de chofre, na lata, na bucha, provocou-me um certo desconforto.
Antes de continuar, porém, esclareço algumas questões. A aula, cujo tema era narração, rolava numa manhã de verão. O calor era intenso e a fome já começava a dar os primeiros roncos matutinos. A turma mista era composta por adolescentes.
Bem, eu fiquei meio aturdido com a questão. A sala toda se excitou com a pergunta.  Meninas e meninos ficaram num frenesi só com caras e bocas, trejeitos e risinhos. Pigarreei e abri os braços chamando a atenção para mim. Todos focaram o mestre como se esperassem a revelação da descoberta do elixir da longa vida.
O silêncio pairou naquele ambiente como nunca. Congelando a imagem e analisando todos os elementos envolvidos na cena, posso dizer que até a Drosophila melanogaster parou de me circundar para esperar a explicação. Pude vê-la com as mãozinhas na cintura, batendo os pezinhos.
─ E aí, "Sor", sai dessa agora...
Evidentemente decepcionei a todos. Discorri mais uma vez, em detalhes, toda a estrutura narrativa para me deter no conflito e no desfecho da história.
─ Se você valorizar o conflito e retardar a resolução do problema, o desfecho do seu texto pode realçar o clímax...
─ Como assim, professor? ─ com um arzinho maroto.
─ Tipo assim: você tem um homem debruçado no parapeito de uma ponte. Esse homem olha para a água, olha para o céu, olha para si. Tudo se confunde com imagens que pipocam em sua mente. A mulher, a dívida impagável, os filhos, o desemprego. Parece que suas mãos estão sujas, sua roupa está suja, seus sapatos, imundos. Uma carreta passa raspando e buzina. A garrafa já está vazia. Ele a vira e a joga bem longe. Ela cai na água, faz volteios e boia por um instante. Porém, a água que devassa seu gargalo faz com que ela aderne e, vagarosamente, afunde. Ele sobe no parapeito e abre os braços. Uma nuvem negra cobre a lua. Um vento frio gela seu corpo. Já não vê mais seu rosto, já não tem mais sua imagem refletida na água. Já não tem mais equilíbrio. Nada mais importa. Um sussuro o chama: Vem, vem, vem...
Confesso que não tinha reparado, mas todos estavam extasiados. Uma menina chegou a resmungar:
─ Credo, professor!
O jovem curioso aquietou-se. A aula transcorreu na mais perfeita calma. Quando terminou e os alunos saíram lépidos, eu juntei meu material e refleti: minha família, minha profissão, meus amigos, minhas conquistas...
            Sabia construir um clímax narrativo, mas deixava minha vida ser envolvida por relatos insossos. Peguei minha pasta, apaguei a luz e saí, deixando a porta entreaberta. Tinha ainda passos firmes e uma fome voraz.

Um comentário:

  1. Interessante, cheio de enigmas, prende satisfatoriamente a atenção do leitor.
    Meus parabéns!!

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