Dias desses um aluno me perguntou como se chegava ao clímax. Como diriam os bons escritores, assim, de chofre, na lata, na bucha, provocou-me um certo desconforto.
Antes de continuar, porém, esclareço algumas questões. A aula, cujo tema era narração, rolava numa manhã de verão. O calor era intenso e a fome já começava a dar os primeiros roncos matutinos. A turma mista era composta por adolescentes.
Bem, eu fiquei meio aturdido com a questão. A sala toda se excitou com a pergunta. Meninas e meninos ficaram num frenesi só com caras e bocas, trejeitos e risinhos. Pigarreei e abri os braços chamando a atenção para mim. Todos focaram o mestre como se esperassem a revelação da descoberta do elixir da longa vida.
O silêncio pairou naquele ambiente como nunca. Congelando a imagem e analisando todos os elementos envolvidos na cena, posso dizer que até a Drosophila melanogaster parou de me circundar para esperar a explicação. Pude vê-la com as mãozinhas na cintura, batendo os pezinhos.
─ E aí, "Sor", sai dessa agora...
Evidentemente decepcionei a todos. Discorri mais uma vez, em detalhes, toda a estrutura narrativa para me deter no conflito e no desfecho da história.
─ Se você valorizar o conflito e retardar a resolução do problema, o desfecho do seu texto pode realçar o clímax...
─ Como assim, professor? ─ com um arzinho maroto.
─ Tipo assim: você tem um homem debruçado no parapeito de uma ponte. Esse homem olha para a água, olha para o céu, olha para si. Tudo se confunde com imagens que pipocam em sua mente. A mulher, a dívida impagável, os filhos, o desemprego. Parece que suas mãos estão sujas, sua roupa está suja, seus sapatos, imundos. Uma carreta passa raspando e buzina. A garrafa já está vazia. Ele a vira e a joga bem longe. Ela cai na água, faz volteios e boia por um instante. Porém, a água que devassa seu gargalo faz com que ela aderne e, vagarosamente, afunde. Ele sobe no parapeito e abre os braços. Uma nuvem negra cobre a lua. Um vento frio gela seu corpo. Já não vê mais seu rosto, já não tem mais sua imagem refletida na água. Já não tem mais equilíbrio. Nada mais importa. Um sussuro o chama: Vem, vem, vem...
Confesso que não tinha reparado, mas todos estavam extasiados. Uma menina chegou a resmungar:
─ Credo, professor!
O jovem curioso aquietou-se. A aula transcorreu na mais perfeita calma. Quando terminou e os alunos saíram lépidos, eu juntei meu material e refleti: minha família, minha profissão, meus amigos, minhas conquistas...
Sabia construir um clímax narrativo, mas deixava minha vida ser envolvida por relatos insossos. Peguei minha pasta, apaguei a luz e saí, deixando a porta entreaberta. Tinha ainda passos firmes e uma fome voraz.
Interessante, cheio de enigmas, prende satisfatoriamente a atenção do leitor.
ResponderExcluirMeus parabéns!!