O sol do meio-dia fustigava minha cabeça, mas não queimava meus sonhos. Minha mãe tinha orgulho de me ver arrumado para ir à escola. Dizia que um dia eu seria doutor. Eu tinha sete anos. Tempos difíceis aqueles...
Com carinho, colocava-me a melhor roupa. Mandava-me largar a bola, parar de dançar, de pular corda, de rebolar, saracotear. Ajeitava meu material e me abençoava. “Vá com Deus, meu filho. Não vá ficar brincando por aí...”
A criança que se perdeu em mim, volta mais lépida ainda nestas lembranças, como num filme, deixando-me em êxtase. Por que crianças sofrem? Deviam ser protegidas pelos anjos para terem paz e conquistar a felicidade plena.
O céu, assim todo azul, sem nenhuma nuvem, parecia ainda maior. O caminho, a estrada, o destino... A paisagem tremia! Minha mãe acena uma última vez antes da curva. Não dava para ver, mas acredito que seus olhos brilhavam, pois carregava o peso do mundo em suas costas e contava comigo para aliviar seu sofrimento.
― Filho, vai com calma. Presta atenção na aula de Matemática ― gritando, lembrava-me a dificuldade para resolver o exercício da tarefa.
Eu, já longe, não entendia quase nada.
― O quê? ― seguia em frente, apertando o passo para alcançar o coleguinha. O mundo era bem maior do que a minha casa. Talvez muito maior até do que a escola!
O nosso horário de entrada coincidia com a educação física de outros. Alguns iam para a quadra jogar futebol, basquete ou vôlei, enquanto íamos para o pátio rezar, cantar o hino da escola, da cidade e o Hino Nacional. Tudo na mais perfeita ordem.
Na fila, eu ficava pensando na flor que colhera no caminho para a professora. Tinha vergonha de entregá-la na frente de todos. Depois que entrávamos, esperava um bom momento e sério, sem que todos percebessem, deixava-a sobre sua mesa.
Não sei como ela percebia, mas acho que minha mãe tinha razão quando dizia que Mãe e Professora têm olhos até nas costas. Isso me impressionava muito, pois quando eu fechava os meus, via aquelas mulheres que eu mais amava cheias de olhos me fitando.
Depois que passava alguma coisa no quadro, ela sempre dava um jeito de chegar até minha carteira. Sorria o sorriso de uma deusa, pegava em minha mão, acertava meus traços, minhas letras e me ensinava o caminho das pedras, cobrindo-me de amor e carinho, retribuindo-me aquela gentileza.
Quando dava alguma atividade lúdica, pedia-me para imitar macaco, lambreta, sirene, o que eu mais quisesse. Dizia que eu era um palhaço perfeito. Todos adoravam, e eu me sentia mais forte, seguro e amparado naquela sala de aula.
No recreio eu sofria um pouco, pois não tinha dinheiro para gastar na cantina nem levava merenda. Éramos muito pobres e tinha de dividir tudo entre oito pessoas. Olhava meus coleguinhas com chocolate, chiclete, balas, doces e ia para a fila do sopão.
Dona Durvalina levava uma cesta de pão torrado para nós. Era uma folia só. Posso levar pra casa? Tinha um pipoqueiro em frente à escola que gostava de mim. Ele atendia a todos e me chamava. Quando eu chegava, ele perguntava se eu queria. Como eu não tinha dinheiro, balançava a cabeça negativamente. Ele estendia a mão e me dava um saquinho com os piruás, aqueles milhos que não estouram. Eu pegava e agradecia. Comia um por um, como se estivesse comendo o manjar dos deuses. Tinha a impressão de que todos ficavam me olhando, pensando que eu comprara aquela pipoca. Eu fazia até pose...
Voltava para casa à tardinha. Ia feliz, pois sabia que minha mãe estaria me esperando de braços abertos no portão com o mesmo sorriso divino de minha professora. Buscava em meu coleguinha um companheirismo que só o tempo constrói, fortalece e edifica.
Hoje vejo que dinheiro não traz felicidade. Riqueza não traz felicidade. Pessoas trazem felicidade. Pequenas coisas trazem felicidade. Sonhos trazem felicidade. Mães e Professoras constroem a felicidade de todos nós.
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