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sexta-feira, 18 de março de 2011

Futebol, sonho e paixão

A garoa fina encharca seu corpo, mas não molha sua alma nem lhe mina a paixão pelo clube. No último lance da arquibancada, tem uma visão panorâmica do gramado. Tudo é pequeno, mas perfeitamente nítido. O jogo está difícil. O frio aperta. Assopra e esfrega as mãos. Olha para os refletores e vê a cara da chuva salpicando a noite. Futebol é o espaço do sonho e da invenção. De cinzento basta o céu de São Paulo. Fecha os olhos e sonha com o que ainda não acontecera no gramado.
Bola rolada para o Pé de Gancho que atrasa para o Taquinha. Taquinha recebe pela meiúca, olha seus companheiros, ginga pra cá, ginga pra lá e enfia pro Cafunga na direita. Cafunga domina (a torcida vibra), balança o corpo num bailado onírico (que coisa linda, minha gente), passa o pé por cima da bola uma, duas, três vezes. O zagueiro recua. Cafunga vai pra cima e pedala. Faz que vai, mas não vai. Volta, dá o drible da vaca e pega a bola quase em cima da linha de fundo. A torcida já está de pé. Ele olha para seus companheiros no centro da área e cruza...
Nesse instante, tudo para em sua mente. Ele vislumbra a cena de vários ângulos. A supercâmera entra em ação. O Goleiro desesperado, o zagueiro ofegante, o centroavante e a bola. Gotículas de suor (ou será da chuva) esvoaçam da cabeçada certeira. Ripa na chulipa e pimba na gorduchinha. Numa explosão de emoção, ele grita:
─ É gol! É gol! É goooooooooool...
Ainda de olhos fechados, não percebe que a outra metade do estádio, exatamente aquela oposta ao lugar onde estava, grita com ele.
Alguém põe a mão em seu ombro, sacode-o. Ele abre os olhos.
─ Que que tá pegando aí, mano. Cê tá maluco?
Ele olha para aqueles que o cercam, recobra os sentidos; olha para o campo e vê seu goleiro buscar a bola no fundo da rede. Seus zagueiros discutem. Os jogadores adversários comemoram. A outra torcida inimiga vibra num frenesi edênico, enquanto toda a sua parece olhá-lo. Se estivesse num estádio norte-americano, veria sua imagem estúpida estampada no telão. Já não entende mais nada. Mas era gol do nosso time!
─ Que nosso time! Fica esperto, cara. Se for pra torcer contra, vaza.
Ele senta, abaixa a cabeça. Parece não acreditar em sua sanidade.
─ Num liga não. Toma um gole...
Levanta a cabeça e tem a sensação de que chegara ao céu. Ela repete num sussurro libidinoso.
─ Vamos, toma um gole. Vai ajudar a acalentar seus sonhos.
A garganta está seca, as mãos, trêmulas; suas pernas mal conseguem erguê-lo. Ela senta-se ao seu lado, pega em sua mão para firmar-lhe o copo. Tem a camiseta colada ao corpo.
Ele a olha como nunca olhou ninguém. O jogo já não importa, o mundo já não interessa, o tempo já não passa. A chuva já não atrapalha. A paixão, agora, é outra.

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