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sábado, 12 de março de 2011

Mestre Zen e Gafanhoto

Mestre Zen olhou para seus discípulos e destacou Gafanhoto. O jovem aprendiz levantou-se ao simples meneio de cabeça e foi em direção ao mestre. Este virou-se e aquele o seguiu; os demais permaneceram na posição de relaxação e comunhão espiritual.
A grande pedra estava lá imponente. Desafiava a lógica científica, parecia levitar no ar. Era o símbolo da sabedoria daquele povo. Esculpida pelos milênios, oferecia proteção e aconchego sob suas curvas. De seu cume, podia-se ver o infinito, o intangível. Istmo ser de um clã, clarividência da vida.
Mestre Zen não olhou para trás. Subiu pela encosta da Pedra com a agilidade de um menino. Conhecia aquele caminho como ninguém. Com dificuldade, o infante o seguiu. Quando o alcançou, pegou-o já de costas, contemplando o horizonte.
 ─ Pronto, mestre, estou aqui.
O mestre virou-se, sem mover um músculo.
─ Gafanhoto, tenho um problema com o grupo. Alguns estão faltando sem motivo aparente, chegando atrasado sem justificativa e saindo antes do término de nossa meditação. Parecem enguias, deslizando no oceano. Como pretendem catequizar o povo se não dão exemplo? Preciso que tomes uma atitude.
Gafanhoto não discutiu. Virou-se e desceu a Pedra. Parecia mais ágil agora. Parecia mais forte. O mestre o destacara para a punição daqueles que eram seus pares. Bem, acho que o mestre não sabia que ele próprio já cometera aquelas faltas, até mais de uma vez. Não importava! Desceu confiante e foi em direção aos outros. Mestre Zen ficou lá. Olhos fechados, contemplativo, sumia na paisagem crua.
Gafanhoto voltou.
─ Pronto, Mestre, resolvi a questão.
Dessa vez, mestre Zen nem se virou.
─ E o que fizeste?
─ Cortei um dia de suas pagas, Mestre. Sentirão na carne e não cometerão mais tais faltas.
Mestre Zen virou-se e finalmente abriu os olhos. Sua figura foi se multiplicando e se tornando gigantesca. Gafanhoto se assustou, mas não saiu do lugar. Sem alterar o tom de voz, o mestre falou:
─ Então trataste seus pares como subalternos? Não perguntaste sobre os problemas e dificuldades de cada um? Não levaste em consideração que alguns passavam por problemas de saúde na família? Não olhaste para o Livro das autorizações de ausências? Tu mesmo não te lembraste que cometera as mesmas faltas que eles, mais de uma vez até?
─ Não, Mestre, não puni todos como pensai. Poupei meus amigos e a mim mesmo.
Sem falar nada, Mestre Zen foi diminuindo de tamanho, reduzindo sua forma oblonga, ficando minúsculo, um grão de areia, até sumir.

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