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terça-feira, 26 de abril de 2011

Gafanhoto e o perdão

Gafanhoto chegou para a reunião atrasado, pois passara tempo demais sublimando suas angústias com Mestre Zen. Estava mais leve e lépido que nunca. Sentou-se à mesa. Todos o olharam. Escorpião olhou para o relógio e abriu a sessão.
─ Reunião do dia primeiro de abril do ano de três mil e trinta e cinco de Nosso Senhor Jesus Cristo. Com a palavra Gafanhoto, relator do projeto.
Gafanhoto estranhou o tom solene de Escorpião. Um frio perpassou seus músculos esqueléticos. Buscou em cada semblante de seus companheiros apoio para suas explanações e o que sentiu o perturbou. Entretanto, não perdeu a concentração e começou a delinear os detalhes do seu novo projeto. A ideia era desenvolver um plano de trabalho que amplificasse o desenvolvimento do inconsciente coletivo. Isso faria com que a pregação alcançasse mais gente naquele povoado agnóstico.
Como era generoso aquele discípulo! Se quisesse, poderia fazer tudo sozinho. Mas, resolveu contemplar cada um com uma função nobre para o estabelecimento dos marcos e consecução das metas. Reservara para si, como sempre, a função mais espinhosa, as tarefas mais duras, os encargos mais áridos. Parecia flagelar-se por sua condição gafanhotesca.
Por unanimidade, o plano foi aprovado. Escorpião tomou da palavra.
─ Gafanhoto, o plano está, digamos, bom. Precisa de umas correções pontuais que faremos sem a sua colaboração. Você está fora do nosso projeto!
Gafanhoto não entendeu e começou a rir.
─ Peraí, gente, é brincadeira, não é?! Vocês estão brincando comigo...
Olhou para cada um que baixou a cabeça. Ele começou a suar frio.
─ Não é brincadeira, não, Gafanhoto. Você se indispôs com Mestre Zen e nós não queremos ficar contra ele.
─ Mas...
─ Sem mais nem menos: FORA!
Escorpião foi enfático. Gafanhoto, resignado, entendeu a posição de cada um. Omissão, covardia, egoísmo, enfim, não se importava com os motivos. Entendia apenas. Agradeceu a todos com um último olhar. Baixou a cabeça, afastou a cadeira, levantou-se e virou-se para sair.
Nisso, Escorpião teve uma visão. Mestre Zen flutuava na Grande Pedra. Flamejava sobre uma fogueira. Tinha o semblante contrito e uma luz intensa realçava sua silhueta. Chispas chegaram até a mente de Escorpião em forma de ordem.
─ Chame-o de volta. Ele está perdoado. Não pode ser punido por uma coisa que não fez.
O Mestre sumiu como aparecera. Escorpião, consternado, assentiu imediatamente.
─ Pare, Gafanhoto! É mentira! Esqueceu-se que hoje é primeiro de abril? ─ deu uma piscadela para os outros que capitularam e caíram em gargalhada.
Gafanhoto virou-se e, meio sem jeito, deu uma risadinha sem sal. Escorpião aproximou-se dele e abriu os braços para envolvê-lo. Abraçado ao Escorpião, Gafanhoto olhou para seus companheiros. Não pôde ver nada, pois Escorpião colocou uma das mãos em seu ombro, virou-o e afastou-o do grupo andando ao seu lado.
─ Sabe, Gafa, o projeto está ótimo. Do jeito que está fortalece o grupo perante Mestre Zen e blablablá...

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