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terça-feira, 5 de abril de 2011

O bicão

Honório não queria ir com a mulher. Não era fã do cantor, e a conjuntivite apertara. Os olhos mal se abriam. Parecia que tinham jogado um caminhão de areia neles.
— De mais a mais, eu nem comprei ingresso...
— Tudo bem, tudo certo — assentiu a esposa que, desde o começo, percebera sua má vontade —, mas você vai ter de nos acompanhar até a entrada. Disso não abro mão.
Colocou sua melhor roupa. Afinal, não era todo o dia que Fábio Júnior vinha até sua cidade. Caprichou no pisante. Calça preta, camisa preta e chapéu preto. Parecia querer relembrar seus bons tempos. Chegou perto e perguntou como estava.
— Tá parecendo um urubu, pai!
— E pra que esses óculos escuros, homem-de-deus? Como é que você vai dirigir?
— Eu tiro na hora que tiver dirigindo. A luz arde os olhos.
— Vá bem, vai. Já estamos atrasados. Vamos! Vamos!
Realmente, parecia que a cidade toda tinha ido para o espetáculo. Quase não tinha lugar pra estacionar na frente do clube. Se não fosse a gentileza do porteiro em deixá-lo entrar no estacionamento, teria deixado todos à entrada da portaria.
— Ali, pai! Uma vaga.
Estacionou, desceu do carro como prometido e já tascou os óculos escuros na lata.
— Cê tá parecendo o Valdick Soriano...
— Vai rindo, mulher. Vai rindo, que quem ri por último...
— Perde o tempo da piada, seu bobo!!!
Ainda acenou uma última vez antes de vê-la sumir. Ela parecia exultante. Pulava ao lado da filha, enquanto entrava no ginásio.  Virou-se já para sair, mas foi abordado por um homem.
— Aqui, ó, comigo! — e dando um tapinha nas suas costas — Tão precisando de alguém no camarim do Fábio...
— Mas... Eu...
— Não tem mais nem menos, cara. Cê tá ganhando muito bem pra fazer isso. Vamos, corre! — e já foi empurrando Honório, que, atônito, não esboçou nenhum gesto.
Foi na direção do corredor oposto de sua mulher, hesitava ainda.
— Rápido, cara! Que moleza!
Apertou o passo e entrou resmungando. E essa agora. Teria de achar a saída pra voltar pro carro. Abriu uma porta e deu de cara com uma mulher seminua. Ela nem se abalou.
— Você pode me ajudar com o zíper?
— Cla... claro...
— Você veio me acompanhar até o palco? Que gentileza...
Honório ajeitou a roupa dela, ofereceu-lhe o braço. Seguiram para o salão nobre do Clube. O concurso de Miss Comerciária da cidade era uma festa engalanada que acontecia concomitantemente ao show. Todos os anos, jovens funcionárias, indicadas pelos comerciantes concorriam ao título de mulher mais bonita do comércio.
Quando entraram pela coxia e atingiram o palco, o público aplaudiu-os. Com andar firme, Honório conduziu-a até o centro do palco, deixando-a em seguida para ser ovacionada pelos presentes. Com certeza, ali estava a vencedora do concurso. Saiu de cena e, já que estava bem à vontade, resolveu andar pelo clube em que nunca entrara antes. Passeou pelas piscinas. A lua refletia-se nas águas e envolvia com seus braços a imaginação daquele homem. Sentia o sangue correr quente em suas veias. O coração acelerou e suas pupilas dilataram-se. Voltou correndo em direção ao show.
Como estava dentro do clube, teve que pegar um caminho diferente do da esposa. Entrou por corredores, deu de cara com homens de preto e óculos escuros, que o cumprimentaram com um aceno de cabeça, e, quando se localizou, estava na área vip do espetáculo. Ninguém o barrou. Muitos até, saíram de sua frente, como se ele fosse uma autoridade. Passou por um portãozinho e acessou o salão que dava de frente para o palco todo arrumado. Sobrava espaço naquele lugar. Olhou a sua volta e viu as arquibancadas tomadas por pessoas que pareciam espremidas umas às outras. Várias mesas e cadeiras revestidas por um tecido fino estavam geometricamente espalhadas pelo local. Antes que fizesse algum movimento, um garçom puxou-lhe uma cadeira.
— Sente-se aqui, doutor! Dá pra ter uma boa visão do palco daqui. O que o senhor vai beber?
Honório parecia não acreditar em sua sorte.
— Quanto custa uma cerveja?
— O senhor está brincando, né? O preço está incluso no ingresso...
— Claro! Claro! — ajeitou-se à mesa, esticou as pernas e encostou-se relaxadamente na cadeira. — Pode ser uma geladinha?
— O senhor manda, doutor.
— Ah! Traz uma porção de fritas também.
Lembrou-se da mulher. Levantou-se e olhou para a arquibancada do ginásio lotado. Acenou sem ver ninguém. Parecia em êxtase. Esquecera completamente da conjuntivite que tanto o atazanara aqueles últimos dias.
— Mãe, olha, não é o pai balançando a mão lá na quadra?
— Aquele que tá sendo servido por um garçom?
— É, mãe! Ele tá até brindando com o copo...
— Bem capaz, menina! A essa hora seu pai já tá de pijama na cama. E olha a elegância do homem! Parece que é um fazendeiro, um deus negro...
Honório virou-se para o palco e, na hora em que o Fábio Júnior entrou cantando, não se conteve. Pulou da cadeira, ergueu os braços e gritou o mais que pôde:
— Brigaduuuuuuuuuuu!!!

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