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segunda-feira, 30 de maio de 2011

A garnisezinha


─ Mãe! Maeê! Maeeeeeeê!!! A Zezinha caiu na cacimba...
O garoto entrou correndo, atropelando tudo pela frente.
─ Mas que sangria desatada é essa, menino! Para com essa gritaria já. O que aconteceu, criatura?
─ A Zezinha, mãe... quando eu puxava água do poço, ela pulou e caiu lá dentro. Ela vai morrer...
O menino desabou num berreiro sentido. Até sua face se banhara em lágrimas.
Lembrara bem como nascera aquela garnisé. Um ovinho bem pequeno misteriosamente aparecera no meio dos outros. A galinha nem se importou. Chocou junto o pobrezinho. Mirradinho, o filhote sofria para se impor perante seus irmãos e só não morreu de fome porque o garoto se afeiçoou ao pequenino. Perdão, leitor, à pequenina, pois logo se percebeu que se tratava de uma fêmea.
O menino dava-lhe quirera e água separadamente. Enquanto ela comia, ele fazia as vezes da mãe. Fingia que ciscava e bicava o chão para ensinar. Chegava a hora de dormir, ele a colocava numa gaiola velha desocupada. Uma lâmpada a aquecia durante a noite toda e, antes de se deitar, corria para conversar com a menininha. Ela se regozijava toda aos seus carinhos. Fechava até os olhinhos quando ele coçava sua cabecinha. Durante o dia, sempre era visto com a garnisezinha passeando pelo quintal. Era Zezinha pra cá, menino pra lá e os dois a passeá.
Desculpe-me pela rima forçada do parágrafo anterior, mas o fato é que quando a mãe entendeu a real dimensão do problema, gritou para que chamasse o João Cacimbeiro.
João chegou, tomou pé das coisas e foi logo esclarecendo:
─ A senhora sabe que essa cacimba é funda. Pode ser perigoso, dona.
Ele tinha razão. Era necessário descer pelas paredes do poço até chegar ao veio d’água onde, possivelmente, ela flutuava. A mãe olhou para o filho desolado. Voltou seu olhar para o cacimbeiro e com voz firme vociferou:
─ Você é o melhor cacimbeiro dessa região. Cavou essa cacimba com as próprias mãos. Nem o tempo ruim te fez parar. Não vai querer que todos saibam que não conseguiu resgatar uma pobre garnisezinha...
O cacimbeiro se encheu de brio e desceu por mais de onze metros. Esgueirou-se pelas paredes de terra, tendo a corda e o balde como guias. A mãe olhava com atenção pela abertura da boca do poço, mas não via nada naquela escuridão. O menino parecia pressentir o pior. Nenhum pio, nenhuma fala, nenhum barulho, nada mesmo. A eternidade estacionara naquela fração do tempo.
O toque na corda foi a senha da operação finalizada. O garoto tomou a frente da mãe e puxou-a. Tinha de fazer aquilo por mais que lhe doesse. O balde irrompeu pela boca do poço. Inerte, Zezinha parecia dormir. Ele pegou a galinhinha com cuidado e a apertou de encontro ao rosto. Olhou para sua mãe com resignação. O cacimbeiro saía do poço todo sujo de barro. O menino meneou a cabeça, como se agradecesse. Pegou o corpinho da ave e foi lhe render uma última homenagem.


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