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sábado, 17 de setembro de 2011

O último beijo


O circular não passara no horário. Não adiantaria mais tentar pagar a conta. A loja, com certeza, já fechara. Decidiu, então, não esperar o próximo e voltou para casa. Observava a paisagem do seu happy hour. A cada passo, o horizonte era outro. Não tinha dono. Não tinha parada.
─ Oi, posso falar com você?
─ Ah!... Claro...
A imagem daquela mulher não lembrava em nada a da jovem que amara na adolescência. Mas reconheceu-a. Estavam bem no meio de uma rua deserta.
─ Não sei como começar...
─ Olha, Rosa, não estamos mais nos anos 80.
─ É você tem razão...
O silêncio tomou conta dos dois. Um carro apontou na esquina. Ele puxou-a pelas mãos, conduzindo-a para a calçada.
─ Sabe que depois que terminamos, eu nunca mais fui feliz?
─ Como assim?!
─ Eu me casei, tive dois filhos, meu marido morreu afogado... Nunca deixei de pensar em você...
─ Vinte anos, Rosa, vinte anos...
─ Eu não sou feliz por sua causa. Tentei até o suicídio...
─ Você mentiu pra mim...
─ Eu estava com medo. A culpa não foi minha.
─ Talvez tenha sido minha, então. Eu acreditei, e você me traiu.
Desviaram os olhares. Ela sentou-se na calçada. A tarde caía, e o crepúsculo tingia de vermelho o horizonte. Ele se aproximou daquela figura prostrada no passeio público. Seu semblante relaxou. No horizonte, o vermelho já não tinha o gosto e o cheiro de sangue, era celeste agora. Sentou-se ao lado dela e puxou a carteira do bolso.
─ Olha meus filhos.
─ São lindos. Essa é a sua esposa?
─ É... e eu a amo...
─ Fica comigo de novo... Eu aceito qualquer coisa...
─ Rosa...
─ O que é que ela tem que eu não tenho?
─ A minha vida nas mãos ou talvez a minha vida seja a própria vida dela.
Rosa cingiu os olhos. Um sorriso falso tingiu sua face. Começou a apertar os dedos das mãos.
─ Quando você voltou, descobri seu trabalho, o lugar onde morava...
─ Por isso passei a te ver com mais frequência.
─ Por isso estamos aqui, meu bem.
─ Mas o tempo passou, meu amor.
O que fora automático para ele, soou familiar para ela.
─ Meu amor, meu amor, meu amor...
─ Pára com isso, Rosa!
Ela começou a cantar, levantou-se e pôs-se a bailar.
─ Meu amooor... Meu amooor... Meu amooor...
Aquela cena o constrangia. Quando percebeu, atracara-se a ela no meio da rua.
─ Já falei pra parar com isso ─ chacoalhou-a com força pelos braços.
Ela se entregara completamente. Seus olhos reviravam-se em êxtase. Salivas no canto de sua boca pareciam espumas de rio poluído. Quando ele parou, Rosa olhou-o nos olhos, aproximou seus lábios aos dele, mas ele virou o rosto e se afastou. Ela o puxou novamente.
─ Só um beijo...
─ Você é louca...
─ O último e te deixo pro resto da vida.
Ele se desvencilhou da mulher, deu as costas para ela e retomou sua caminhada para o lar. Rosa se jogou no chão e ficou ajoelhada no meio da rua. Enlameava-se com as próprias lágrimas, com as próprias salivas. Não havia ninguém na rua, nem veículo, nem bicho; só havia Rosa estendida no chão. O caminhão de lixo dobrou a esquina.

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