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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Lavando a alma

Precisava se banhar, pois sentia o suor grudar-lhe a roupa no corpo. Tirou-a toda para lavá-la ali mesmo no rio. Ainda tinha um toco de sabão de cinzas no embornal. Esfrega, bate, torce, pendura no galho. Volta, mergulha, afunda os pecados. A alma também se alveja. Só não poderia pendurar-se para se secar. Riu-se da cena e pulou para a pedra que brotava no leito do rio. Como estava morna aquela pequena pedra... Se se encolhesse, teria o corpo todo abarcado pelo rochedo. Deitou-se na posição fetal por alguns instantes, virou-se e ficou decúbito dorsal, fitando o céu. Suas pernas balançavam e seus pés tocavam a água. Mimetizado ao ambiente, sentiu que alguém se aproximou do local em que estava. Virou a cara e viu que era uma jovem. Ela olhou tudo, vasculhou seus pertences, cheirou suas roupas penduradas. Gafanhoto fechou os olhos e ainda continuou a vê-la. Ela se acariciava com aquela vestimenta, numa lascívia etérea. Passava-a em seu rosto, fechando os olhos em regozijo. Colocava-a sobre o corpo como se quisesse ser possuída. Parecia em êxtase.
Calmamente, começou a se despir também. Juntou sua roupa, foi em direção ao rio e entrou. Serviu-se do resto de toco de sabão e repetiu o ritual de Gafanhoto que, já sem-cerimônia, olhava-a do alto da pedra. Não conhecia aquele rosto, mas o achava muito familiar. Tinha a feição de todas as mulheres que conhecera. Ora era a mãe, ora era a tia, ora era a amiga, ora era ninguém. Bastava Gafanhoto piscar, ela virava outra.
Assim como ele, estava completamente nua e banhava-se nas águas impudicas. Não havia malícia em seus gestos, mas ela era indefinidamente sensual. Mergulhava o corpo todo num enleio sinuoso de tronco e membros. Quando emergia, deixava a água escorrer por suas curvas, por seus torneios, num bailado sincrônico de prazer e desejo. Passava a mão pelo rosto e jogava a cabeça para trás, ajeitando o cabelo. Gafanhoto se esqueceu de tudo. Olhava embasbacado para aquele corpo que estava meio de lado para a pedra em que se prostrara. Agora, apenas as pernas estavam turvas na água. Ela ficou de frente para Gafanhoto que se levantou. Sorriu para ele e caminhou em sua direção. Gafanhoto estendeu-lhe as mãos. Ela subiu na pedra e seus corpos se encontraram. Gafanhoto começou a tremer. Ela sorriu o sorriso mais lindo que um dia ele vira.
Não havia mais cheiro, não havia mais gosto, não havia mais som, não havia mais tato, não havia mais visão. Tudo era uma coisa só, e nada mais era distinguido. O tempo parou para eternizar o momento. Os dois, então, se deitaram na pedra e relaxaram. Quando despertou, Gafanhoto percebeu que ficara sozinho. Já estava escurecendo. Vestiu as roupas, pegou suas coisas e notou um fitilho enroscado no arbusto. Pegou-o e, com as mãos em concha, levou-o às ventas para reconhecer-lhe o cheiro. Gafanhoto, então, amarrou-o ao pulso e seguiu seu caminho. Tinha ainda que arrumar um lugar para dormir.

Um comentário:

  1. ééééé, vida de herói não é fácil! Vai lá gafanhoto. Segue seu caminho.

    bem bancana professor.
    Até a próxima.

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