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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Compras de Natal


O celular tocou de maneira cavernosa. Aliás, o som parecia vir das profundezas do infinito.
─ Não é o meu!
─ É o meu, já peguei... Alô! Alô! Desligou...
─ Também, parece que você carrega o mundo nessa bolsa...
─ Estressa não, meu amor. Se for importante, liga de novo.
─ Não era de casa?
─ Não! Número desconhecido.
Não ligou e o casal continuou a andar pelas ruas entupidas de dezembro. O comércio, aberto até as dez da noite, desafiava os que não se importavam com a chuva intermitente. Era preciso comprar. E comprar sem pensar muito, pois o Natal estava próximo. Pisou numa poça e blasfemou.
─ Droga! A gente bem que podia ter ido no shopping...
─ Você sabe muito bem que eu odeio shopping. Aquilo lá deve estar uma loucura. E de mais a mais, você tinha que deixar tudo pra última hora?
─ Última hora... Última hora... ─ ela resmungou baixinho.
─ O que você falou?
─ Falei que você podia ter ficado na choperia enquanto eu fazia compras. E cá pra nós, quando é que íamos achar um tempo pra fazermos compras juntos? Nosso horário não bate...
Falavam e andavam, mal olhavam para as lojas. O marido se deteve numa de sapatos, e a mulher continuou com sua sombrinha pela calçada, falando como sempre. De vez em quando gesticulava e apontava uma ou outra vitrine. Nem percebeu que ele ficara estático, olhando chuteiras, tênis, camisetas novas para suas peladas...
Ele se virou para pedir-lhe uma opinião e não a viu. Olhou pelo alto e visualizou uma praia de guarda-chuvas e sombrinhas nas calçadas. Deu de ombros. Melhor assim! Quando precisar, ela liga... Voltou os olhos para os calçados e percebeu que já tinha andado um pouco. A loja já era outra e mais outra e mais outra. Cansou.
─ Um chopinho, por favor!
A lanchonete estava apinhocada de gente. Ele ficou ali, em pé mesmo. Recebeu o caneco e saiu na soleira para respirar. O atendente olhou para ele e assentiu com a cabeça. Deu uma tragada e o líquido desceu como se fosse doce. O primeiro gole a gente nunca esquece... Pensou com os seus botões que aquela sensação não tinha preço... Merecia aquele momento, afinal conquistara o mundo. Do outro lado da rua, por entre pernas e troncos alucinados, um olhar cruzou o seu. Pequeno olhar vadio, descalço, sem brilho. A chuva fina trazia um friozinho atípico para a época do ano. Desviou seus olhos, mas conferiu pelo rabo do olho que aquele olhar carente ainda o fitava. Pediu uma coxinha e um guaraná. Voltou para a soleira e olhou. A menininha continuava lá. O balconista gritou a coxinha e o refrigerante. Ele pegou-os e atravessou a rua.
─ Trouxe pra você...
─ Precisa não, moço.
─ Você está sozinha?
─ Minha mãe foi lá ─ apontando para a esquina onde se via uma pedinte.
─ Tá cheiroso esse salgado. Vai, pega...
Ela pegou o salgado e abocanhou com uma voracidade que o assustou.
─ Olha o refri...
Ela tomou da sua mão e avançou-o na boca. Ele tirou o casaco e o estendeu para ela que já não fez cerimônia. Tremia de frio. A mãe chegou.
─ Ela é minha filha, doutor.
─ Sei disso, ela me falou.
Enfiou a mão no bolso, tirou a carteira e não escolheu. Esticou a mão com algumas notas, entregou-as para a mãe, virou-se e foi pagar a conta. Ainda na lanchonete, viu as duas se perderem no meio da multidão. O telefone tocou, era a esposa. Tinha de voltar para a sua dura realidade.


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