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sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Nascimento

Bateu palmas na entrada do casebre, e ninguém o atendeu. Eram quase sete horas da noite. Assuntou ao redor, passou por um corredor lateral e teve acesso ao terreno. Começava a escurecer e a friagem parecia querer tomar conta de tudo. No varal, a roupa balançava ao saber do vento. O cachorro saiu abanando-lhe o rabo, recebeu afago e voltou correndo para seu aconchego. É, não havia espaço para os dois.
Resolveu sair e caminhar mais um pouco. A noite caía rapidamente. Um estranho o abordou informando que ali morava a parteira Doca e que ela havia saído para socorrer uma moça.
─ É só ultrapassar a ravina e o senhor encontra ela.
Não carecia encontrá-la, apenas arranjar guarida. Agradeceu assim mesmo e seguiu sua sina novamente. Sina peregrina de andarilho do tempo.
Subiu e desceu. Avistou a uns dois quilômetros a luzinha na varanda. À medida que chegava perto, percebia que ela balançava. Um lampião servia-lhe de proteção. Pendurado no teto, desenhava um foco de luz em movimento pendular. Ia, vinha, voltava e seguia, mas não saía do lugar. Parecia uma onda do mar engolindo e regurgitando o chão. Sempre o mesmo, na mesma toada do vento.
─ Ô de casa, tem pouso? Ô de casa...
Uma senhora acorreu na varanda.
─ Quem chega?
─ Gafanhoto, minha senhora.
─ Que gafanhoto?!
─ Meu nome é Gafanhoto, sou discípulo de mestre Zen.
A mulher mudou o semblante. Parecia ter visto um fantasma. Recompôs-se e autorizou sua entrada.
─ Entre, Gafanhoto, esperávamos por você.
Gafanhoto não questionou e entrou. Imaginou que notícias de sua peregrinação já tivessem chegado por aquelas bandas.
─ A senhora é a parteira Doca?
─ Não, senhor, sou Zaia, mãe de Catarina.
─ Estou procurando pouso, dona Zaia. Estive na casa de dona Doca e me disseram que ela está aqui.
─ Você a conhece?
─ Não, senhora, só bati lá para pedir guarida.
─ Ah! Minha filha está dando à luz. O parto está difícil. Como o senhor é discípulo de mestre Zen...
Gafanhoto não a esperou terminar. Assentiu com a cabeça, tirou a mochila das costas e pegou de dentro uma pequena esteira que lhe servia de anteparo. Apoiou-a no chão e ajoelhou-se para ficar em contrição. Juntou as mãos em concha junto ao peito, apoiando os dedos no queixo. Depois, abriu os braços e abaixou a cabeça até tocar o chão com a testa. Em seguida, sentou-se, juntou os calcanhares, apoiando as mãos espalmadas nos joelhos. De olhos fechados entrou em transe e reviu a cena do rio. Mestre Zen estava na copa da árvore. Parecia abençoar o casal. Gafanhoto despertou com o choro de um bebê. Do quarto, saiu a parteira Doca. Tinha a expressão de alívio no rosto. Olhou bem nos olhos de Gafanhoto, ele se levantou.
─ Entre, vá ver a criança.
Gafanhoto hesitou e dona Zaia entrou primeiro.
─ Vamos, vá. Elas precisam de você, e saiu sem dizer mais nada.
Ele caminhou até a porta e entrou. Uma luz intensa partia do fundo do quarto e ofuscava sua visão. Podia ver apenas a silhueta da mulher amamentando a criança. Dona Zaia passou por ele com uma bacia de roupas sujas e se perdeu pela casa. Gafanhoto ficou só com as duas. Aproximou-se da cabeceira da cama e viu a moça ainda olhando para a menina que se saciava. A criança soltou o peito, totalmente tomada pelo esforço que fizera. Ficou largada nos braços da mãe. Um pouco de leite escorreu pelo canto da boquinha frágil daquele ser. A mãe pegou um paninho e limpou-lhe a bochecha. Ajeitou-a com carinho e só então olhou para Gafanhoto estendendo-lhe a menina.
─ Tome nossa filha, Gafanhoto. Seu nome é Adisa.
Gafanhoto reconheceu aquele rosto. Sim, Catarina era a moça do rio. Ele não entendeu muito o que acontecia, mas sabia que desígnios divinos permeavam sua existência. Olhou para aquele pequeno ser e reconheceu seus traços. Pareceu confortado com o presente. Pegou Adisa no colo e embalou-a. Em seguida, sentou-se ao lado de Catarina para sorver aquele momento.


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