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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Poliana


Poliana era a essência de seu próprio nome. Sujeito simples, discreto, reto, acima de qualquer suspeita. No trabalho, um exemplo para seus companheiros. Cultivava sempre os valores morais e não aceitava deslizes de quem quer que fosse. Vangloriava-se de ter o casamento perfeito, os filhos perfeitos, a vida perfeita. Todos concordavam e o invejavam. Ocorre que, num belo dia, Vadinho, seu colega devasso da repartição, pegou-o em flagrante delito. Explico melhor.
Numa de suas incursões por um motel barato da cidade, Vadinho percebeu o carro de Poliana estacionado em frente a um apartamento. Não se sabe por que ou até se pode imaginar que pela pressa dos amantes, o toldo da garagem ficara a meio pau, deixando a placa do veículo bem visível aos transeuntes. Esse detalhe passaria despercebido para Vadinho, não fosse o carro de seu amigo. Sim, tinha certeza, pois jogara até no bicho com os números da placa daquele veículo com que sonhara outro dia.
E aquele cara de pau, hein! Quem diria... Poliana, o rei da moral e dos bons costumes, em pleno sábado de manhã, no desfrute da luxúria... Na segunda-feira, com certeza, ele estaria lá, com a cara mais deslavada, passando sermão em todo mundo. Isso não podia ficar assim, não.
Vadinho resolveu, então, desmascarar aquele farsante. Estacionou seu carro, mandou a acompanhante ir se preparando, saiu e foi até o apê daquele pústula. Assuntou em derredor e, ciente do anonimato, entrou na garagem e subtraiu o aparelho DVD do carro devassado. Antes de sair, pôde ainda ouvir os grunhidos do infame e sentir o cheiro do pegado. Deixou um bilhete provocativamente libidinoso, com as iniciais do seu nome no lugar da assinatura. Pela primeira vez em sua vida, não via a hora de chegar segunda-feira.
Iniciado o expediente, Vadinho resolveu ir à carga e tirar uma com seu amigo. Sua estratégia era ironizar o colega, falar-lhe sobre o bilhete, pressioná-lo para uma confissão e, só aí, devolver-lhe o aparelho.
─ É, Poliana, o mundo anda mesmo violento... Você acredita que dias desses, tentaram me assaltar na porta da minha casa? Minha sorte é que era só um pivete. Dei-lhe uns sopapos e botei o trombadinha pra correr.
─ Pois é, meu amigo, minha esposa não teve a mesma sorte...
─ Sua esposa?!
─ É, a Santinha, sábado de manhã, fazia compra no supermercado. Ela insistiu para que a acompanhasse, mas eu não podia ir, tinha que terminar aquele relatório pro chefe.
─ Ah! Então ela estava sozinha...
─ Pois é, isso me deixa até com mais remorso. Quando ela voltou para guardar tudo no carro, foi rendida por um desconhecido que surgiu do nada.
─ Desconhecido?!
─ É, desconhecido... Ele a pegou pelo braço, deu-lhe um apertão no pescoço e girou o tronco dela de tal forma que sua cabeça foi lançada de encontro ao vidro do carro...
─ E você trabalhando, não é?
─ Nem me fale, Vadinho. Ela está com o corpo cheio de hematomas.
─ Hematomas!?
─ É, cara, hematomas. Placas roxas de sangue.
─ Eu sei o que são hematomas, Poliana. E o meliante roubou alguma coisa?
─ Graças a Deus, só o aparelho DVD.
─ É graças a Deus mesmo...
─ A sorte é que ela começou a gritar, e o bandido saiu correndo. Nisso apareceu o Valadão...
─ Valadão?!
─ É, o nosso chefe! Ele também fazia compras no mesmo supermercado e apareceu justamente no momento.
─ Coincidência boa, não?
─ Muito boa, Vadinho. Ele só não conseguiu ver a cara do marginal, mas pôde ampará-la e confortá-la.
─ E as compras, Poliana?
─ Rapaz, depois desse incidente, ela deixou tudo espalhado no estacionamento. Ficou traumatizada. Não quis nem saber de recolher os mantimentos. No domingo tive que ir lá comprar tudo de novo.
─ E o chefe?
─ Ficou todo preocupado. Não parou de ligar pra casa pra saber o estado da Santinha.
─ Bacana ele, não...
─ Muito bacana mesmo. Ele mandou até chamar ela aqui. Agorinha mesmo ela está lá no gabinete dele. Parece que, antes de ser gerente, ele foi psicólogo. Você sabe, né!
─ Como sei, Poliana, como sei...
Vadinho estava com o aparelho para devolvê-lo, mas, diante do narrado, ficou sem ação. Aliás, fechou a gaveta onde estava o embrulho e mudou de assunto. Nisso, viu a esposa do amigo sair da sala do chefe rebolando como nunca. O chefe saiu na porta e acenou para que Vadinho entrasse. Tinha um pedaço de papel amarfanhado na mão.


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