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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Ceia de Natal


A mesa estava posta, mas ninguém podia tocar em nada. Faltava o patriarca da família. Além disso, faltavam alguns minutos. Ceia de Natal tem de ser à meia-noite!
─ Alguém viu o pai?
─ Ele estava ali na frente, mãe ─ respondeu a mais velha.
─ Chama ele pra mim, então.
De onde estava, ela gritou:
─ Pai, paieeeê...
─ Vai lá, menina, se fosse pra gritar, eu mesma gritava!
Mal a menina saiu, o menor comentou:
─ Eu vi ele entrar no bar do Gordo, mãe.
A mãe não deu muita atenção. Virou-se para ultimar os últimos detalhes.
Num dos cantos da sala, a árvore de Natal não abarcava todos os presentes, esparramava-os pelo chão. Eram dias de fartura financeira naquele lar, mas de escassez de afeto, carinho e amor entre o casal.
─ Mãe, o pai não tá lá não. O Ieié disse que ele tá bebendo no bar do Gordo. Se quiser, eu chamo ele...
─ Não precisa, minha filha, ele sabe o caminho de casa. Vão todos lavar as mãos pra comer.
As crianças correram. Ela se dirigiu até o altar de Nossa Senhora Aparecida, acendeu uma vela e pôs-se a rezar. A vida estava sendo dura com todos. Tinha até pensado em separação. Depois que voltaram para a igreja, as coisas pareciam ter se ajeitado. Será que o infeliz tinha tido uma recaída? Seria aquele Natal mais um dia triste em sua vida? Ah! Mas haveria de ser o último!
Quando acabou, virou-se e viu todos sentadinhos à mesa, esperando-a para a ceia. Teve orgulho de seus filhos. Sabia que forjava o caráter deles com muito sacrifício, mas valia a pena. Uma lágrima rolou-lhe pelo rosto. Ela caminhou em direção à mesa limpando o olho. O pequenino perguntou se a mãe chorava.
─ Um cisco, meu anjo, foi só um cisco...
─ Deixa eu soprar, mamãe...
Ela se abaixou diante do filho.
Santa Luzia passou por aqui, com seu cavalinho comendo capim... ─ fez o sinal da cruz no olho da mamãe e soprou. ─ Pronto! Sarou?
─ Sarou, meu amor.
Beijou-lhe a testa e mandou beijos para os outros que os olhavam com ciúmes. Quando se virou para ir para o seu lugar, ouviu uma voz familiar.
─ Ainda dá tempo para o brinde?
Virou-se para o marido que entrava na sala.
─ Você não estava...
Com o indicador sobre os lábios, sibilou com carinho. Depois comentou:
─ Lembrei que estava faltando o vinho. Como iríamos cear sem vinho, meu amor?
Ela foi ao encontro do marido, abraçou-o, olhou-se bem dentro dos olhos dele e deu-lhe um beijo carinhoso. As crianças aplaudiram e gritaram de felicidade. Em seguida, os dois se sentaram meio sem graça. À meia-noite em ponto, todos rezavam e agradeciam por mais um Natal juntos. O casal, as crianças, a ceia, os presentes eram os mesmos. O diferente, naquele Natal, era o amor que envolvia aquele lar.


Um comentário:

  1. Que lindo! Que sensível! Lembrei-me de minha infância, quando meu pai ainda sentava-se conosco à mesa. Que saudades daquele tempo!
    Um abraço!
    Emília

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