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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Vida


─ Desce daí, mulher! Com esse barrigão, você pode se desequilibrar... ─ gritou, assim que entrou.
A barriga era enorme mesmo. Estava na trigésima nona semana de gestação, e o bebê era esperado para o Natal. Marina estava num banquinho, nas pontas dos pés, ajeitando o enfeite no cume da árvore que estava no canto da sala. Apertou o botão e toda ela se acendeu num piscar difuso.
─ Pronto! Agora está bom.
Ele a amparou com as mãos, auxiliando-a na descida. Abraçou-a mais intensamente que o de costume e beijou-a. Ela sentiu a emoção e afastou os seus lábios dos dele.
─ Você está chorando, amor! Calma, não aconteceu nada.
Limpou o rosto do marido, afagou-lhe o cabelo e puxou-o ao encontro do próprio seio. Agora, ele chorava copiosamente, soluçava até. Ela apontou para o sofá.
─ Senta aqui, vai. O que é que houve?
─ Nada...
─ Hum... E seu pai, como está?
─ Na mesma. Pareceu-me até que deu uma melhorada...
─ Então, amor...
─ Falei com o médico sobre isso, mas ele não se empolgou. Disse que o quadro é irreversível.
Ele deitou sua cabeça sobre o colo da esposa. Podia ouvir o coraçãozinho da criança. Marina curvou-se com dificuldade para beijá-lo, mas o telefone interrompeu-a. Os dois ficaram paralisados. Hesitaram ao som enjoativo que se repetia. O telefone se calou e o seu celular berrou. Olhou para o número e atendeu. Passava das dez da noite.
─ Preciso ir.
─ Vou com você, amor...
─ Não é melhor você ficar?
─ Queremos estar do seu lado, querido ─ passou as mãos pela barriga.
Chegaram ao hospital e deram de cara com a família na sala de espera. Todos estavam cabisbaixos. A mãe veio ao seu encontro e o abraçou.
─ Só faltam vocês. Vão, entrem lá...
Ele abriu a porta devagar. Marina entrou atrás. Uma enfermeira estava sentada no canto do quarto. O pai estava inerte na cama. Já não tinha aparelhos. Chegou bem perto. O enfermo respirava com dificuldade.
─ Pai, pai, chegamos...
O pai abriu os olhos e sorriu debilmente. Esforçou-se para encontrar ar. Esticou a mão para pegar a do filho. Marina chegou mais perto da cama e pôs a mão sobre as deles.
─ Meus filhos...
─ Calma, pai, vai dar tudo certo...
─ Claro que vai, meu garoto ─ e deu o último suspiro sorrindo.
Os dois se curvaram e o beijaram. A enfermeira veio para ampará-los e encaminhá-los para a recepção. Tinha de tomar as medidas necessárias. Marina deu alguns passos e parou.
─ A bolsa... A bolsa estourou...
A enfermeira colocou-a numa maca e a levou para a sala de partos. O marido foi atrás, conversou com o médico e voltou para o lado da família que ainda chorava.
─ Está tudo bem, mãe. Parece que a Vida quer nascer.
─ Meu filho! ─ exclamou a mãe, envolvendo-o num abraço.
Quase duas horas depois, ecoou o choro de Vida. O médico saiu para avisar que estava tudo bem. Todos se abraçaram em silêncio, choraram e, em seguida, oraram em respeito ao ciclo divino.


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